Subiu a rua um caminhão carregado de abobrinhas. À sua passagem, vibraram os vidros das casas e os pisos das casas e as pessoas que estavam dentro. Esse breve tremor que veio da terra fez na verdade lembrar que tudo são móbiles (a despeito do que a gravidade tente). Há móbiles no palco de um móbile maior dentre outros móbiles maiores e infinitos (ainda que só saibamos pensar infinitos em termos de vizinhança). Quando subiu a rua o caminhão de abobrinhas, ia frouxo o fio que segurava as cores do dia. O fio enroscou numa das caixas de madeira e o caminhão continuou subindo-subindo enquanto o arrastava. (O motorista não deu por nada, preocupado apenas em não despertar as abobrinhas). No asfalto diante dos vidros das casas passaram tons azuis, alaranjados, roxos, róseos. Lenta e pesadamente o caminhão desfazia a tiara das montanhas e deixava perplexas as garças, agora sem fundo contra o qual voar. (Às vezes ocorrem acidentes no palco. Das garças, eu não sei.) [Caldas, 17 de dezembro de 2022]