Tudo são móbiles

Subiu a rua um caminhão carregado de abobrinhas. À sua passagem, vibraram os vidros das casas e os pisos das casas e as pessoas que estavam dentro. Esse breve tremor que veio da terra fez na verdade lembrar que tudo são móbiles (a despeito do que a gravidade tente). Há móbiles no palco de um móbile maior dentre outros móbiles maiores e infinitos (ainda que só saibamos pensar infinitos em termos de vizinhança). Quando subiu a rua o caminhão de abobrinhas, ia frouxo o fio que segurava as cores do dia. O fio enroscou numa das caixas de madeira e o caminhão continuou subindo-subindo enquanto o arrastava. (O motorista não deu por nada, preocupado apenas em não despertar as abobrinhas). No asfalto diante dos vidros das casas passaram tons azuis, alaranjados, roxos, róseos. Lenta e pesadamente o caminhão desfazia a tiara das montanhas e deixava perplexas as garças, agora sem fundo contra o qual voar. (Às vezes ocorrem acidentes no palco. Das garças, eu não sei.) [Caldas, 17 de dezembro de 2022]

Formulário de contato (para a página de contato, não remover)

Criadora

Larissa Fonseca e Silva, 1998. Nascida em Caldas, no sul de Minas Gerais, crescida dentre livros e montanhas. Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e doutoranda em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). "Crio com a ponta dos dedos, no raio do sol vejo a magia da poeira e sei que há sentido no decompor das coisas pois até os resquícios dançam." Registro e guardo aqui.