Despontam as plantas do abraço da terra ― o vigor é o mesmo de uma roupa bem lavada e posta sob o sol quente. Há nessas nuvens que se multiplicam um cio infinito de chuva, um desejo catastrófico que escorre sobre as plantas e sobre as roupas. Eu penso nisso estando em uma estrada sem sol nem chuva, sob um céu com nuvens que não lembram ovelhas e sim a reprodução dos musgos que forram o chão unidos uns aos outros. Uma estrada sempre conduz a outra estrada que conduz a outra estrada e se a estrada não houver, a estrada se cria. Há nessas estradas que se multiplicam um cio infinito de terra. A enxurrada deixa os sulcos na terra e faz o esboço a ser trabalhado por esses homens eternos que vestem laranja e pavimentam o caminho que pode ser o céu, pode ser o inferno, mas geralmente é apenas mais uma curva em volta do globo a que nos agarramos com raízes bem profundas. Despontamos do abraço da terra
(circularmente como tudo), resultamos deste cio das nuvens com a terra que geme e chora (neste vale de lágrimas) desde a imaginação dos primeiros homens. Nas paredes das cavernas, o que registramos foi o desejo de uma linha fora da curva, um caminho do meio, um céu que não nos tapasse a vista para o que há mais acima, uma terra que não nos segurasse tanto o tornozelo com o desespero de quem pede afeto. [Rodovia SP – MG, 28 de outubro de 2023]