Uma linha fora da curva

Despontam as plantas do abraço da terra ― o vigor é o mesmo de uma roupa bem lavada e posta sob o sol quente. Há nessas nuvens que se multiplicam um cio infinito de chuva, um desejo catastrófico que escorre sobre as plantas e sobre as roupas. Eu penso nisso estando em uma estrada sem sol nem chuva, sob um céu com nuvens que não lembram ovelhas e sim a reprodução dos musgos que forram o chão unidos uns aos outros. Uma estrada sempre conduz a outra estrada que conduz a outra estrada e se a estrada não houver, a estrada se cria. Há nessas estradas que se multiplicam um cio infinito de terra. A enxurrada deixa os sulcos na terra e faz o esboço a ser trabalhado por esses homens eternos que vestem laranja e pavimentam o caminho que pode ser o céu, pode ser o inferno, mas geralmente é apenas mais uma curva em volta do globo a que nos agarramos com raízes bem profundas. Despontamos do abraço da terra (circularmente como tudo), resultamos deste cio das nuvens com a terra que geme e chora (neste vale de lágrimas) desde a imaginação dos primeiros homens. Nas paredes das cavernas, o que registramos foi o desejo de uma linha fora da curva, um caminho do meio, um céu que não nos tapasse a vista para o que há mais acima, uma terra que não nos segurasse tanto o tornozelo com o desespero de quem pede afeto. [Rodovia SP – MG, 28 de outubro de 2023]

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Criadora

Larissa Fonseca e Silva, 1998. Nascida em Caldas, no sul de Minas Gerais, crescida dentre livros e montanhas. Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e doutoranda em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). "Crio com a ponta dos dedos, no raio do sol vejo a magia da poeira e sei que há sentido no decompor das coisas pois até os resquícios dançam." Registro e guardo aqui.