Semear o joio

A vela queimando me lembrou a fragilidade — não sei se da cera, não sei se da chama, não sei se de mim. Sempre temos interpretações poéticas para depois que os momentos acontecem. Eu desisti dos diários porque desisti da falsa verdade contida neles, mas me lembro várias vezes ao dia de endireitar a coluna. Ou penso que me lembro só porque me lembrei agora. É frágil a verdade como a chama de uma vela que, ainda assim, consome a vela e pode queimar uma casa. Isto aqui não é um diário; são anotações que vasculho como quem separa o joio do trigo. Nesses casos, o joio é melhor do que o trigo porque é o masculino de joia e isso diz muito... E sobre os campos de trigo interessa mais é a pipa que lhe vai acima e quase alcança as nuvens. Buscar poesia é isso: separar o joio do trigo, ficar com o joio. Semear o joio. (O sustento, depois se vê.) [Caldas, 24 de outubro de 2022]

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Criadora

Larissa Fonseca e Silva, 1998. Nascida em Caldas, no sul de Minas Gerais, crescida dentre livros e montanhas. Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e doutoranda em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). "Crio com a ponta dos dedos, no raio do sol vejo a magia da poeira e sei que há sentido no decompor das coisas pois até os resquícios dançam." Registro e guardo aqui.