Da queda-ascensão

Um pássaro se atira do terraço de um prédio e a três metros do chão desiste de morrer: na manobra para cima, sobe mais sábio, sabe agora dar conselhos que seguem, porém, indecifráveis a nós. Da queda-ascensão do pássaro fico apenas carente das asas como ficaria da capacidade regenerativa das lagartixas ou das sete vidas de um gato. Talvez a maior vantagem dos animais que manobram a morte, forjam a morte ou ressuscitam seja, simplesmente, a inconsciência das coisas. Seres apenas sendo, lidando com abismos concretos e indiferentes à sabedoria que lhes atribuo. Eu vivo contemplando as quedas e buscando sentidos, o pensamento falante, as muitas vozes do pensamento que a meditação às vezes ajuda a calar. (Mas no fundo do meu silêncio há sempre um pássaro que salta e escapa, uma lagartixa que espera e um gato em posição esfíngica que observa, enigmático, ao pássaro, à lagartixa e a mim.) [São Paulo, 23 de março de 2023]

Formulário de contato (para a página de contato, não remover)

Criadora

Larissa Fonseca e Silva, 1998. Nascida em Caldas, no sul de Minas Gerais, crescida dentre livros e montanhas. Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e doutoranda em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). "Crio com a ponta dos dedos, no raio do sol vejo a magia da poeira e sei que há sentido no decompor das coisas pois até os resquícios dançam." Registro e guardo aqui.