História do inferno, Georges Minois (n. 1946). [História | primeira publicação: 1991, França | minha edição: MINOIS, Georges. História do inferno. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Unesp, 2023.] Em nove capítulos que abarcam diferentes épocas e religiões, desde os povos primitivos até o século XXI, Georges Minois apresenta, em História do inferno, caminhos de interpretação para a necessidade humana de criar espaços infernais. Antes das grandes civilizações, em geral, a conceituação do inferno se ligava à coesão do grupo, espelhada no pós-morte. Não havia ainda salvação individual; os punidos eram os que não se encaixaram socialmente ou falharam nas provas espirituais após a morte. Com o surgimento do Estado, as religiões orientais aprimoraram as estruturas infernais, que se tornaram mais cruéis: agora havia o julgamento feito pelos deuses, e quem perturbou a ordem cósmica pagava por seus crimes também quando morto. Como a concepção de tempo ainda era cíclica, os infernos eram provisórios. Com os gregos, a discussão sobre o inferno foi somada à ética mais do que à religião, o que se percebe nas reflexões platônicas. Homero e Hesíodo lançaram as bases dos infernos artísticos ocidentais, tendo uma de suas primeiras influências relevantes em Virgílio. No período greco-latino, também Lucrécio teorizou o inferno, mas como angústia existencial terrena. No judaico-cristianismo, por seu turno, conforme Georges Minois, a concepção de inferno foi criada lentamente. No Novo Testamento há poucas menções a ele tal como foi desenvolvido pela religião católica, como local de punição, fogo e sofrimento eterno, mas textos apocalípticos e apócrifos aperfeiçoaram os cenários infernais, tornando-os instrumentos de medo popular já nos primeiros séculos depois de Cristo. Na Idade Média, o meio monástico espalhou visões de um inferno assustador e superpovoado: com os critérios da Igreja para a salvação, difícil seria alcançar os céus. O purgatório surgiu ainda como um apêndice do pós-vida, ou seja, como mais um (lucrativo) espaço de intermediação entre a Igreja e o divino. Mesmo nas versões religiosas que buscavam não fugir às Escrituras, a noção de eterna punição física (tortura pelos cinco sentidos) e psicológica (impossibilidade de conhecer o rosto de Deus) continuava como propulsor de medo e controle social. Nos séculos seguintes, o cristianismo se dividiu entre versões mais duras ou brandas sobre o inferno, enquanto questionamentos externos abalaram o dogma e a influência das igrejas. Fora do meio religioso, o século XIX, acompanhando linhas anteriores, converteu o inferno em símbolo filosófico e literário de pessimismo. E o século XX criou seu próprio inferno, com as grandes guerras, a bomba atômica e o desequilíbrio climático que nos alcança. O livro de Minois amplia e desenvolve em detalhes todos esses tópicos com as influências que as sociedades vão exercendo umas sobre as outras. Não deixa de tocar também nos traumas psicológicos causados terrenamente pelos infernos em cada época — com destaque para o caso dos povos originários das Américas. Em uma conclusão que surge na parte introdutória, Georges Minois postula: "Ligado ou não à ideia de castigo e de julgamento, eterno
ou temporário, o inferno reflete os fracassos de cada civilização em resolver
seus problemas sociais, e revela a ambiguidade da condição humana. Enquanto o
homem for incapaz de resolver seu próprio enigma, ele imaginará um inferno" (p.
9).