Já faz algum tempo desde que li Pena capital (1957), de Mário Cesariny (1923 - 2006), mas este poema curto ― “Ama como a estrada começa” ―, também um dos mais conhecidos da obra, foi o que seguiu comigo. Não se trata da aparente capacidade de síntese que faz as palavras ficarem na memória, como um provérbio; porque aqui há um aceno ao mistério, e não se pode conter o mistério. Também não se pode alcançá-lo, visto ser ele sempre um chamado para mais além. O encantamento dessa única linha está na expansão: ela mesma uma estrada que começa, fazendo pensar em todas as outras estradas que começam.
Gosto muito do artigo de Lilian Jacoto (Universidade de São Paulo) que tem, como título, parte do poema de Cesariny ― “Como a estrada começa” ― a dar mote à leitura de outros poemas. O texto discute a necessidade da poesia contemporânea, numa influência que vem desde Camões e passa por Fernando Pessoa, de escapar a qualquer centro de poder, a qualquer certeza, a qualquer totalização. A ideia de errância surge então como método de escrita ― como “exercício de descontrole” (p. 148) ― e essência do fazer poético: “só em face do mistério é que pode haver poesia” (p. 149).
Voltando ao poema de Mário Cesariny, também o amor é uma espécie de exercício de descontrole: na forma recomendada (a se considerar o escrito uma recomendação), ele foge a definições e caminha rumo ao mistério, exigindo essa entrega que tem algo de inocência, tentação e risco edénicos. Daí o seu imenso apelo poético. Daí a imensa beleza de um poema tão breve.