Pelo menos desde Homero, os monstros marítimos, causadores de tragédias individuais e de grandes naufrágios, vêm assombrando a literatura.
Os Lusíadas, de Luís de Camões, epopeia moderna que buscava demonstrar a superioridade portuguesa em relação às famosas façanhas de Aquiles (Ilíada), Ulisses (Odisseia) e Eneias (Eneida), abordou o medo humano diante do mistério e da imensidão do mar. Foi escrita, porém, no século XVI, durante o Humanismo: valorizava-se então a observação, a experiência e a racionalização, mesmo que ainda dentro da fé cristã. No resgate da cultura greco-latina, os deuses olímpicos se convertiam em ornamento poético. As criaturas monstruosas, por sua vez, como o gigante Adamastor, tornavam-se símbolos ou metáforas. O próprio desbravamento da rota marítima para a Índia foi vangloriado, no poema, pelo seu caráter histórico, não fabular.
Logo ao início da viagem, os nautas portugueses presenciam eventos que, a despeito do pasmo que causam, são referidos buscando-se o assentamento na realidade. Vasco da Gama narra (V, 17):
“’Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Veem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.”
A seguir, descreve o fogo de Santelmo e a tromba marítima (V, 17-23). Maria Vitalina Leal de Matos, em Tópicos para a leitura de Os Lusíadas, lembra que, para além da descrição, há nas estrofes a explicação desses fenômenos por tanto tempo considerados fantasia ou atribuídos a causas míticas. Agora, a teoria (dos estudiosos, “que têm juízos mais inteiros”) e a experiência (como a dos nautas “rudos”) são tidas como inseparáveis para uma boa avaliação dos fatos.
Nem por essa racionalização os trechos se tornam literariamente menos instigantes: os recursos poéticos utilizados dão a dimensão magnífica dos eventos naturais, o que vai ao encontro do nosso próprio espanto diante de tudo o que nos devolve à nossa condição de “bicho da terra tão pequeno” (I, 106).