Essa dama bate bué!, Yara Nakahanda Monteiro (n. 1979). Releitura. [Romance português contemporâneo | primeira publicação: 2018, Portugal | minha edição: MONTEIRO, Yara Nakahanda. Essa dama bate bué! São Paulo: Todavia, 2021.] O presente narrativo de Essa dama bate bué, de Yara
Nakahanda Monteiro, é 2003. Vitória, mulher negra, lésbica e estrábica ― com um
olho parado na Europa e outro, inquieto, em África ―, vive então em busca de identidade
e pertencimento, fazendo o trajeto contrário ao que seus avós fizeram vinte e
três anos antes ao fugirem da guerra civil angolana. Agora ela foge também, mas de um
casamento de aparências e da normalidade doméstica que lhe seria imputada em
Portugal. Em Angola, procura pela mãe, Rosa Chitula, que, em 1961, dentro de um movimento guerrilheiro, escolhera lutar pela libertação do jugo português. Isso fora considerado uma traição à sua família e ao meio colonial onde crescera. Vitória, nomeada primeiramente de Wayula (“a que venceu”), nasceu mais de quinze anos depois e foi entregue aos avós em circunstâncias misteriosas por Juliana Tijamba, no encalço de quem, adulta, em Huambo, ela volta para ter notícias da mãe. A princípio, porém, o que a personagem encontra é uma capital (Luanda) mergulhada em pobreza, desigualdade, insalubridade, violência policial, corrupção, doenças e precariedade. Mais do que tudo: racismo escancarado entre brancos, negros e pessoas de ascendência mista. Isso, bem como a guerra civil prolongada após a independência do país, se mostra como herança colonial e irresponsabilidade política portuguesa após a saída das tropas e da maioria dos nacionais do território angolano nos anos 1970. Como comenta Juliana Tijamba ao descrever a barbárie da guerra: “Os portugas devem ter achado: os pretos que se entendam. [...] Deixaram-nos aqui para resolvermos nossos problemas” (p. 149). Quanto à perspectiva narrativa, o romance de Nakahanda varia entre Vitória, na primeira pessoa, um narrador onisciente em terceira pessoa e breves momentos em que outras mulheres assumem a primeira pessoa da narração. Desses momentos, vale mencionar o capítulo narrado por Mariela, empregada doméstica em Luanda e moradora de um musseque, que deseja uma vida sem abusos para a irmã mais nova, Esperança. É um livro, afinal, protagonizado por mulheres em busca de protagonismo em suas próprias vidas.