Entre o quadro e a parede, Ana Pereira de Miranda (n. 1992). [Poesia brasileira contemporânea | primeira publicação: 2022, Brasil | minha edição: MIRANDA, Ana Pereira de. Entre o quadro e a parede. São Paulo: Patuá, 2022.] Na primeira parte de Entre o quadro e a parede, “Quadro”, os títulos dos poemas de Ana Pereira de Miranda nos levam pelo nascimento e personificação da linguagem. Há um diálogo com a mitologia cristã da criação, mas a linguagem, nascida do que é humano, apresenta-se ateia e sem maiores aparatos além de si mesma e daquilo que permite contemplar. Nessa existência, ocorre uma autofagia cíclica: a palavra alimenta-se do eu, e ambos, ser e discurso, tornam-se uma unidade que se consome e se recria continuamente. Em “A parede”, segunda parte, essa recriação é também metamorfose, abrangendo a poesia ― esse fruto da linguagem com algo de alma a confrontar o concreto. Na parte final, “Meio”, onde se concentram os poemas eróticos da coletânea, destaca-se o amor (novamente, o humano) que leva à palavra que preenche o vazio, tocando o que a linguagem até então não alcançara, exibindo e iluminando o que se revela.
“Qualquer coisa posta sob o céu faz-me humana
Vigilante dos telhados de barro e das vidraças que guardam
Flores morrendo em parte alguma
Sinto-as morrendo exatamente dentro de mim
Como um jardim de outono que se aceita
E que, ainda assim, morre”
("Da linguagem", p. 15, grifo no original)